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Um ranzinza em Mauá

março 13, 2007

Bridal Veil Falls, Yosemite - William Zorach - 1920
Certa vez, um colega foi convencido a ir à Visconde de Mauá pela namorada. E logo foi alertado: “Cuidado, entre o Rio de Janeiro e Mauá há uma estrada muito ruim”. Mas, acho que não fui enfático o bastante e lá foi ele. Encaminhou-se bem devagar com seu carro novinho, com menos de 300 quilômetros rodados, em pleno fim de ano, especificamente, em 31 de dezembro de 2001.
Pois bem, ele voltou, conseguiu voltar! Isto já foi um bom sinal. Então me contou sua aventura e que aventura! Primeiramente pegou uma estrada engarrafada, a Via Dutra, cheia de automóveis, em função da data. Mas depois tudo bem, isto até chegar a RJ-163, que fica depois da entrada de Resende, a Estrada Via Dutra-Mauá que tem apenas 16 mil metros com um enorme pesadelo de buracos em terra batida. O pior de tudo é que tentaram reformar esta saramenha – não adianta procurar esta palavra no seu dicionário, guarde só a sonoridade que é o que vale – dizia ele. Acho que foi esta reforma que determinou a primeira aplicação de uma das leis de Murphy, nada é tão ruim que não possa ser piorado.
No que ele me disse que a via tinha sido reformada, exclamei uma sonora frase: “Ah… então foi uma viagem tranqüila!”. “Não, ao contrário, foi bem pior, com as fortes chuvas, o recapeamento se esfacelou e a estrada ficou horrorosa, com asfalto e pedrinhas soltas”, falou em tom chateado. Buracos mil e uma visão dos infernos, isto quando se via alguma coisa, pois a chuva parecia que vinha em baldes. A cada buraco, reclamava: “Que m@#%&!”. Sentia cada remexida ou patinada no seu carro como se fosse no corpo, pareciam pontadas no coração, o carro novinho tomando esbarrões, afundando num misto daquela mistura exótica de lama e excrementos de petróleo. Um solavanco, uma facada na sua barriga, assim se sentiu durante o escasso percurso… até o fim. Um pesadelo que durou pouco mais de trinta minutos, mas que pareceu uns três anos, provavelmente este foi o efeito do envelhecimento que sofreu frente ao imponderável filme de terror.
“Mas e aí? E as cachoeiras de Maromba etc.?”, perguntei. “Que cachoeira é o caramba! Nada de Alcantilado, Cachoeirinha, Poço da Areia, Poço da Raiz, das Muralhas, Maromba, marimba, maramba, marumba é o cacete!” “Que isto? Calma, não precisa ficar bravo!”“Não vi nada, naquela cidade só chove!”, disparou.“E você nem sabe de nada, ainda atolei na chegada”, complementou.“E a festa de Reveillon?”, disse. “Ta querendo me sacanear, né?. Fiquei atolado num outro caminho que levava ao destino final e não pude ir a lugar nenhum”. “Fiquei num casebre – na verdade, era uma casa enorme, muito legal e totalmente rústica – aliás, aí estava o problema. Na hora que cheguei, por volta das 22h30, o local estava escuro. E o fato da casa ser para lá de rural foi um agravante, para se ter uma idéia, a geladeira era a gás!” Lá estava ele no meio do nada, sem iluminação externa, com o carro atolado a uns 200 metros do casarão e chovendo a cântaros. E dentro deste panorama teve que rodear a casa toda, uns 600 metros quadrados, a procurar a instalação de gás, num breu total, dispondo somente de uma lanterna, pisando no chão mole e ensopado. Pronto. Achou, mas, depois só de duas horas, ou seja, sua passagem de ano foi no meio do mato, embaixo de uma chuva torrencial, procurando a caixa de energia, not found e a fonte gás, ok. “As únicas pessoas que encontrei naquela hora, mesmo que só em espírito, porque nem mesmo eles conseguiriam chegar até acolá, foram o Raoni, o Paulinho Paiacan e o Juruna. Não tá ligando os nomes ao evento? Um autêntico programa de índio!” Eis que o meu colega passou o resto da noite resmungando, como só ele consegue. Tenho pena dos ouvidos da sua namorada. Nem quero imaginar as broncas dadas na sua garota – já que ela é que planejara a viagem. Eu o conhecia muito bem pelo seu tom sempre aborrecido.
No entanto, a aventura ainda não havia terminado, finda a noite que parecia sem fim, veio o dia seguinte, o primeiro de um ano que prometia. Primeira tarefa, desencalhar o carro, já que a chuva não parava, era deste modo que ele imaginava como o veículo se encontraria, parado em alguma beira de riacho ou à deriva. Mas não, o seu Corsa continuava lá, praticamente isolado no meio da nothingland. Assim, o amigo se sentia ao olhar a sua volta. As paisagens eram iguais para o que quer que olhasse, nada, nada e nada. A autêntica terra do nada. Depois de muito caçar madeiras, galhos etc. conseguiu finalmente desatolar o carro.
“Ótimo, agora vamos ao churrasco na casa de fulaninho”, pensou. Meia hora depois estava do outro lado de Mauá com alguns amigos da Sra. patroa. Conversa vai, conversa vem, ele nota que algo está errado. Existe um clima de animosidade entre dois dos amigos de sua namorada. A carne começa a sair e o ambiente é outro.
Ali bem próximo estavam pousadas muito charmosas e românticas, lugares que tencionava levar sua garota para que o ambiente entre eles melhorasse. Entretanto o aguaceiro não dava trégua, como estavam ao ar livre, foi montada uma tenda, mas uma tragédia aconteceu e a tendilha desabou em cima da churrasqueira. Um corre-corre danado e o stress de antes reapareceu, pronto é o que faltava para os dois coleguinhas começarem a brigar entre si. Apartada a briga, alguns sopapos depois, não havia mais clima. O casalzinho amigo decidiu-se por ir embora e de barriga vazia. Sabe-se que a cidade tem um dos melhores circuitos gastronômicos do estado. E ele que tanto havia insistido por ir a um restaurante e tinha sido demovido por causa da insistência da sua cortejada! Mas, depois do desastre da carne, era o que ele precisava, então desandou a falar um monte de barbaridades para ela, que sicrano é assim, fulano é assado. Coitada dela, seu ouvido estava tão cansado que ela propôs a volta para o Rio de Janeiro. Todavia, decidiram passar pelas pousadas para saber onde poderiam ir numa próxima vez, mas o ambiente estava tão ruim entre os dois, que só fez criar mais discussões. Ele metralhava a namorada “olhe só a Verde Que Te Quero Ver-te, a Quinta da Grama, a Fronteira Arte e Lazer etc.” se referindo às pousadas maravilhosas que poderiam ter desfrutado. Cheia de tanto ouvir baboseiras e reclamações, insistiu para ir embora logo. Parecia um presságio.
No meio da estrada, já de volta ao Rio, em meio ao pé-d’água que caía, a namorada começou a passar mal e precisou, a todo custo, fazer o número “2”. Justo ali, no meio da estrada. E o depois, como fica? Como fazer? Com uma ajudinha dos guardanapos “Clean Next”, fez-se e concluiu-se, após uma encostada estratégica num cantinho da via. Surpresa maior é que, sabe aquilo que falei do meu colega lá no início? Pois é, é tudo mentira. O amigo, na verdade, era eu mesmo. No entanto, os eventos da viagem foram verdadeiros, uma das poucas jornadas que fiz em que tudo, tudo deu errado. Visitem Mauá, pois é inesquecível.

Publicado no Comunique-se em: 27/09/2006
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